Uma das melhores culinárias do mundo, sem dúvida, é a culinária nordestina. Quem já teve oportunidade de provar da nossa comida com certeza aprovou o exótico sabor de nossa alimentação. Quem não adora uma tapioca melada no café, hein? Ou uma paçoca bem temperada, ou ainda uma rapadura raspada com coco? Quem já provou já conhece e quem ainda não conhece, conheça e se delicie com nossas maravilhas!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Histórico Cozinha Nordestina

COZINHA NORDESTINA
Gostosamente variada e tropicalmente colorida, a cozinha nordestina tem suas raízes
mergulhadas no tempo da colonização, quando aqui chegaram os primeiros portugueses trazendo
seus hábitos alimentares, presentes nas sopas aceboladas, nas mais diferentes maneiras de
preparar a carne, nos peixes quase nadando em alourado azeite de oliva (como o bacalhau que
iam pescar nas águas frias de Terra Nova), nas verduras frescas ou em conserva, no vinho feito
em casa, nas compotas de frutas continentais mais bonitas do que gostosas, nos queijos, nos
licores feitos em mosteiros, nos bolos de receitas tradicionais. Trouxeram seus hábitos
alimentares da mesma maneira como conduziram, na sua bagagem sentimental, seus hábitos e
costumes, seus folguedos populares e sua música, suas crendices e superstições, suas canções e
sua saudade, sua religiosidade e sua mobilidade aventureira através de mares e continentes que
descobriram ou ajudaram a descobrir e a colonizar, sem preconceitos raciais, juntando ao seu, nas
noites quentes do trópico, o sangue dos nativos numa miscigenação que, entre nós, foi
responsável pela mulata, faceira, sensual, bonita, nos babados e no decote generoso dos vestidos
de chita.
Maravilhados, deslumbrados, estupefatos ficaram os portugueses logo que aqui chegaram,
respirando um ar misturado com o perfume de milhares de flores silvestres, comendo frutas
exóticas e deliciosas, pescando outros peixes, caçando outras caças, vivendo em função de uma
fauna e de uma flora miraculosas, a ponto de Pero Vaz de Caminha mandar dizer a seu rei e
senhor, em carta que se tornou célebre como verdadeiro hino entoado à beleza e ao esplendor da
Terra de Vera Cruz, que a terra era "muy chã e muy fremoza e nela se plantando tudo dá".
Os portugueses não se cansavam de apreciar a beleza da natureza tropical, os rios largos
de águas mansas e sinuosas onde viviam os mais estranhos peixes que se possa imaginar, a caça
abundante e variada, as frutas diferentes e mais gostosas que as de sua terra. Sólidos homens de
Trás-os-Montes e do Algarve, os membros da tripulação de Pedro Álvares Cabral estavam
enfarados das comidas de bordo, consumidas durante a longa e aventurosa travessia e, depois que
fizeram o reconhecimento da região, começaram logo a aprender com os nativos quais as frutas e
quais as caças que podiam usar na alimentação. Foi uma transição alimentar das mais radicais,
quando tiveram que substituir as frutas, peixes e carnes que comiam há séculos por novas frutas,
outros peixes e diferentes carnes do trópico luxuriante, não somente de beleza como também de
sabor.
Aprenderam, por força e em conseqüência dessa transição alimentar, com os indígenas,
os diversos e estranhos usos da farinha de mandioca que nem os séculos nem a tecnologia dos
vistosos enlatados alimentares conseguiram fazer com que desaparecesse da mesa do brasileiro,
notadamente da mesa do nordestino, participando da feijoada (com toucinho, charque, jerimum,
maxixe e couve), farofa branca (feita com água, sal, cebola e coentro), farofa de batata-doce (para
se comer com charque assada na brasa), farofa de jerimum (para se comer com carne-de-sol),
tapioca, cuscuz de mandioca, beiju, pirão de galinha, pirão de ovo e de peixe, da papa com que as
mães sertanejas alimentam seus filhos, do remate, ou amiga, ou apito (caldo de feijão engrossado
com farinha peneirada, convenientemente temperado), do bode do nosso rurícola (farinha, um
pedaço de rapadura e outro de carne-seca) quando trabalha longe de casa, da mistura com o mel
de engenho como sobremesa na zona da mata nordestina.
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Proibida a reprodução sem prévia autorização.
Na medicina empírica, a farinha de mandioca entra na composição dos emplastros usados
para combater dores causadas por catarro do peito e dada para ser engolida, seca, quando uma
pessoa come peixe e fica com uma espinha atravessada na garganta.
A farinha de mandioca, que herdamos dos indígenas, não somente continua participando
do dia-a-dia alimentar do nordestino como até mesmo da linguagem popular usada na região,
onde se costuma dizer:
VENDENDO FARINHA: quando alguém anda com a camisa por fora da calça;
AQUILO JÁ COME COM FARINHA: quando se trata de um pau-d'água inveterado;
AQUILO É FARINHA RUIM: quando a pessoa tem más qualidades;
DEBAIXO DA FARINHA TEM CARNE: quando há suspeita da existência de uma coisa que,
escondida, motivou uma atitude, um acontecimento;
FARINHA DO MESMO SACO: quando as pessoas se parecem em relação às más qualidades
que têm;
TEM GENTE QUE SÓ FARINHA: quando uma festa, uma reunião consegue uma assistência
numerosa;
PÓLVORA-COM-FARINHA: mescla muito resistente e usada pelos homens do interior nos
trabalhos do campo;
CASA DE FARINHA: quando todas as pessoas de uma casa, de uma fábrica, de uma repartição,
trabalham a um só tempo.
Até mesmo na sabedoria popular vamos encontrar a farinha de mandioca associada à
filosofia dos provérbios:
- Comer a vergonha com farinha seca.
- De pouca farinha meu pirão tem medo
- Mel em casa é gasto de farinha
Quando começou a faltar gente para cuidar da lavoura e do gado (os indígenas, em
conseqüência de uma série de abusos sofridos da parte de portugueses de maus antecedentes,
foram fugindo do litoral), os colonizadores começaram a comprar escravos africanos, que
atravessaram o Atlântico no bojo imundo dos navios negreiros para construir a grandeza
econômica deste país, como figuras de primeira grandeza que foram dos ciclos do ouro, açúcar,
cacau, gado, algodão e pedras preciosas. Com seu banzo, com sua tristeza, os escravos africanos,
mais homogeneamente centralizados na Bahia, também trouxeram consigo seus deuses, sua
música, suas crendices, seus hábitos alimentares, seu paladar apimentado e nos legaram muitas
comidas gostosas como abará, acarajé, bobó, caruru, cuxá, efó, munguzá, muqueca, quibebe,
sabongo, vatapá, xinxim e tantas outras.
Ainda hoje a cozinha nordestina continua sendo o maravilhoso resultado da fusão
aculturada de hábitos alimentares do português colonizador, do indígena espoliado e do escravo
africano, através de pratos gostosos que falam das nossas raízes e que simbolizam a nossa região.
Assim é a cozinha nordestina que todos nós - sem pruridos de bairrismo que nada
constrói - temos a obrigação de zelar, defender, divulgar e valorizar. De zelar, defender, divulgar
e valorizar sempre quando surjam ocasiões, e sempre que sua integridade regional sofra qualquer
tentativa de desvalorização, de descaracterização.
Um pernambucano que tem verdadeiro xodó não somente por sua terra como por toda
região nordestina, sempre manifestou sua grande preocupação e orientou suas pesquisas com
relação à riqueza gustativa de nossas comidas regionais. E não foi um pernambucano comum que
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sentiu, pioneiramente, o descaso e a desvalorização da culinária nordestina. Foi - e é bom que se
diga – um pernambucano que nunca se despernambucanizou, e que nunca se desnordestinizou,
física e intelectualmente, desde jovem, conhecedor dos quatro cantos do mundo e nome
respeitado no cenário da sociologia internacional, com prêmios e honrarias conferidos pelas
nações mais culturalmente civilizadas. Foi o pernambucano Gilberto Freyre quem, em fevereiro
de 1926, já morrendo de amores pelo Nordeste, apresentou seu Manifesto ao Primeiro Congresso
Brasileiro de Regionalismo, denunciando a desvalorização e a descaracterização da cozinha
nordestina, afirmando: "Uma cozinha em crise significa uma civilização inteira em perigo: o
perigo de descaracterizar-se".
Mas o sociólogo Gilberto Freyre, mesmo depois do sucesso internacional de seu Casa-
Grande & Senzala, obra considerada como fundamental na sociologia brasileira, foi duramente
criticado em 1939, quando publicou Açúcar - em torno da Etnografia, da História e da Sociologia
do doce no Nordeste canavieiro do Brasil - contendo numerosas receitas raras de doces e bolos
da região. Como é que um homem, um escritor universalmente conhecido, se dá ao trabalho de
escrever um livro de receitas de bolos e doces? Receitas de Beijos de dona Dondon, de Bolo dos
Namorados, de Bolo de Milho, de Bolo Souza Leão, de Baba-de-Moça não são mais assuntos de
mulher?
A verdade é que o Manifesto Regionalista (1926) e Assucar (1939), de Gilberto Freyre -
sempre feliz nas suas antecipações - foram livros pioneiros, publicados num tempo em que o
machismo era ainda mais contundente do que agora, estudando a importância da alimentação no
complexo sociológico do Nordeste brasileiro.
Já em 1926, quando redigiu seu Manifesto Regionalista, Gilberto Freyre sentiu a invasão da
cozinha internacional nos domínios da região quando o povo, pela força da novidade e pelo
hábito que se tem de valorizar tudo que vem de fora, do estrangeiro, começava a preferir as
compotas de frutas européias misturadas com ácido, para não se deteriorarem, esquecendo os
doces de caju, goiaba, banana-em-rodinha, jaca, abacaxi, como se os doces de outras terras
dessem mais status. E que dizer do alfenim, cocada, puxa-puxa, rapadura, pirulito, mel de engenho,
considerados, com certo desdém, como doces do povo, doces de pé no chão?
O problema, apesar de existente desde o Manifesto Regionalista, ainda se mostra mais grave,
agora. Com as mulheres fora de casa, no trabalho, e as empregadas vendo novelas na televisão,
quase nenhum é feito em casa. Os doces consumidos durante a semana são adquiridos nos
supermercados, enlatados, com gosto de ácido e de ferrugem. Ninguém sente mais o cheiro
gostoso quando a tachada de doce de caju, jaca, goiaba está ainda no fogo, fervendo, perto de dar
o ponto.
E os restaurantes das capitais do Nordeste sentem vergonha de incluir nos seus cardápios,
onde só se vêem nomes em francês, italiano ou inglês, as nossas comidas regionais. Por que
preferir o fondue, raviolí, chucrute, shop suey, goulash, iguarias de outros povos, à nossa carne-de-sol
com feijão verde, sarapatel, vatapá, sururu de coco ou de capote, cabidela, ensopado de
caranguejo, mão de vaca, buchada, tripa assada, caruru, feijoada com toucinho e molho de pimenta
comida sem talher, o pai da família fazendo capitão para os meninos da casa, o nosso cozido,
tudo regado com água de coco, caldo de cana, bate-bate, suco de nossas frutas, tendo, como
sobremesa, cocada preta, doce de leite, caju, goiaba, jaca, carambola, batata-doce e tantas outras
coisas gostosas que temos no Nordeste?

Fonte: MAIOR, Mário Solto. Comes e bebes do nordeste. Recife: FJN, Editora Massangana, 1984. 143p.

Um comentário:

  1. Olá amada! A Paz do Senhor, tudo bom?
    Estou fazendo um trabalho escolar sobre a comida, as danças e as lendas do Nordeste e o seu blog tem me ajudado muito, obrigada!
    Já estou seguindo e se você puder, dê uma passadinha no meu blog, aguardo um comentário seu:

    http://deumjeitosomeu.blogspot.com.br/

    Beijos :3

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